Avanços e desafios marcam o Dia da Consciência Negra, avalia presidente da Fundação Palmares
O presidente destaca conquistas históricas, mas reforçam que o Brasil ainda enfrenta racismo sistêmico e desigualdades estruturais.
Presidente da Fundação Palmares, João Jorge Santos Rodrigues. Foto: VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL
A celebração do Dia da Consciência Negra, neste 20 de novembro — data que marca a morte de Zumbi dos Palmares — reflete os avanços “extraordinários” alcançados pelo Brasil nas últimas seis décadas no enfrentamento ao racismo e na promoção da igualdade racial. A avaliação é do presidente da Fundação Palmares, João Jorge Santos Rodrigues.
Em entrevista à Agência Brasil, Rodrigues destacou que as conquistas resultam da luta histórica do movimento negro e de lideranças como Abdias Nascimento e Lélia Gonzalez, fundamentais para a construção de uma sociedade mais democrática e consciente de suas desigualdades. Ele lembrou que, embora ainda persistam desafios, iniciativas como as cotas raciais, a criação do Ministério da Igualdade Racial e a demarcação de territórios quilombolas representam avanços importantes.
Abdias Nascimento — escritor, dramaturgo, artista plástico, professor, político e ativista — tornou-se uma das vozes mais influentes na defesa dos direitos civis da população negra. Já Lélia Gonzalez, intelectual, autora, antropóloga e referência nos estudos de gênero, raça e classe, marcou profundamente os debates sobre identidade e combate ao racismo no Brasil e no exterior.
Rodrigues compara que o racismo brasileiro é bem diferente do racismo nos Estados Unidos, na África do Sul, na Índia ou na Austrália.
“É um racismo sistêmico, um crime continuado, sofisticado e permanente. Ele vai encontrando fórmulas de evitar que o negro esteja vivo para usufruir dessas ações afirmativas. É o caso das chacinas no Rio de Janeiro, na Bahia ou em São Paulo, onde há mortandade da população negra” afirma Rodrigues.
Serra da Barriga: símbolo de resistência e preservação histórica
O presidente também ressaltou a importância da Fundação Cultural Palmares, criada em 22 de agosto de 1988, cuja missão inclui a proteção e valorização da Serra da Barriga — local que abrigou o maior e mais duradouro quilombo das Américas, o Quilombo dos Palmares, situado em União dos Palmares, Alagoas. No espaço funciona o Parque Memorial Quilombo dos Palmares, dedicado à preservação da memória, da resistência e da cultura afro-brasileira.
Rodrigues lembrou que, entre 2018 e 2022, a Fundação atravessou um período de seis anos sem realizar qualquer celebração do Dia da Consciência Negra na Serra da Barriga. Ele destacou que o feriado nacional de 20 de novembro, instituído pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelas ministras Anielle Franco (Igualdade Racial) e Margareth Menezes (Cultura), fortalece a pauta da justiça, da igualdade de oportunidades e da valorização da história do povo negro no Brasil.
“A população negra não está pedindo nada que não seja devido. Nós construímos esta Nação com trabalho, com suor, com sangue, e o Brasil é a terceira maior população negra do mundo, depois da Nigéria e Etiópia, com 113 milhões de pessoas”.
Por isso, João Jorge Rodrigues afirmou que é devida ao povo negro uma série de reparações históricas, que está sendo feita, embora “não na velocidade que meus antepassados sonharam”.
No quilombo histórico da Serra da Barriga, ele relata que foram feitos muitos melhoramentos na preservação e no acesso, em termos de informações, para visitantes brasileiros e estrangeiros.
"Edificar a memória do povo brasileiro não é uma tarefa simples, porque envolve a memória das mulheres, dos indígenas, da população negra, dos catadores, dos participantes das revoltas de Canudos e de Malês, por exemplo. É tudo que foi ocultado e foi tratado pela política como esquecimento”.
A Guerra de Canudos foi um conflito armado que envolveu o Exército brasileiro e membros da comunidade socioreligiosa liderada por Antônio Conselheiro, em Canudos, no interior da Bahia. Os confrontos ocorreram entre 1896 e 1897, com a destruição da comunidade e a morte da maior parte dos 25 mil habitantes de Canudos. Já a Revolta dos Malês foi uma rebelião de escravizados africanos que ocorreu em Salvador (BA), durante o Primeiro Reinado, em 24 de janeiro de 1835. É considerada o maior levante de escravizados da história do Brasil.
Maior entendimento
A secretária-executiva do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), Larissa Santiago, também avalia que houve avanços em relação à igualdade racial no Brasil.
“A gente tem conseguido discutir sobre igualdade racial com mais clareza, capilaridade. Acho que as pessoas, hoje, entendem o que significa igualdade racial e conseguem discutir mais sobre esse tema, sobre racismo, enfrentamento a racismo”.
Para Larissa, isso se deve, sobretudo, ao avanço nas políticas de educação, com a consolidação e ampliação das leis de cotas nas universidades e com a ampliação das cotas no serviço público.
"Significa que a gente tem uma presença. É claro que não é o ideal, e a gente está trabalhando para que isso consiga avançar mais, mas existe, de fato, e é notória a participação e a presença das pessoas negras nas universidades, nos cursos federais e técnicos”.
Em consequência disso, destacou, houve aumento de professores negros, que têm condição de trazer para seus alunos a história, as perspectivas de raça, classe e gênero.
Larissa admitiu, por outro lado, que o Brasil ainda tem muitos desafios nesse campo. Como um país de dimensão continental, com muitos estados e municípios, e uma maioria de população negra espalhada pelo país, entre os desafios está garantir acesso à saúde plena e segurança pública para todas as pessoas.
“Eu imagino que, sendo a política de igualdade racial uma política transversal, a gente tem desafios nas diferentes áreas, nos diferentes espectros das políticas públicas. E saúde e segurança são duas políticas da maior importância para alcançar, na ponta, a nossa população”, manifestou.
